Parece tudo certo. A cidadania italiana está encaminhada e o requerente espera ansioso pelo título. Mas, às vezes, nem tudo é perfeito. Ainda que o direito exista, alguns detalhes, não menos importantes por isso, podem influenciar diretamente na obtenção da condição de cidadão italiano e, em certos casos, impossibilitar o processo.

1 – NATURALIZAÇÃO

Uma situação desse tipo se dá na hora de obter a Certidão Negativa de Naturalização (CNN), como se chama o documento que confirma que o antenato italiano, por um motivo ou outro, se naturalizou brasileiro ou não. É raro, mas acontece. 

A naturalização significa abrir mão da sua nacionalidade originária e adotar outra no lugar. A certidão é parte primordial para garantir a permanência do reconhecimento da cidadania, depois de adquirida. Se o ascendente dante causa se naturalizou brasileiro antes do nascimento do filho ou filha, que integra a árvore genealógica do postulante, o direito à cidadania italiana pode ter sido perdido.

Antes de prosseguir, vale esclarecer que é denominado dante causa aquele que dá direito ao pedido, à causa. Dessa maneira, no processo, é o ancestral italiano que dá direito ao pedido de cidadania. Portanto, é necessária a apresentação de todas as certidões do dante causa e seus descendentes até os requerentes. 

Com a certidão de nascimento do antenato em mãos, é hora de recorrer ao Ministério da Justiça a fim de emitir a CNN, comprovação de que não deixou de ser italiano, depois de vir residir no Brasil. É um passo importante, porque, sem ele, não adianta nada ter o restante da papelada. 

Exemplo: o italiano dante causa nasceu em 1890, chegou ao Brasil em 1912, se casou e começou a ter filhos em território brasileiro. Em 1920, teve o filho que faz parte da árvore do requerente (dante causa). Em 1940, recebeu um convite para trabalhar na prefeitura de sua cidade e, para isso, precisou se naturalizar brasileiro, requisito para exercer o cargo. Nesse caso, o filho nasceu antes da naturalização, quando o pai ainda era cidadão italiano, e assim foi a ele transmitida a cidadania italiana.

Agora o exemplo inverso: o italiano nasceu em 1890, chega ao Brasil em 1912, em 1920 recebe o convite para ser funcionário público (já tinha alguns filhos) e é em 1940 que o filho que integra a árvore do solicitante à cidadania vem ao mundo. Assim, se o brasileiro nasceu depois da naturalização do pai, não recebeu a cidadania italiana, e o mesmo acontece com as gerações subsequentes.

Isso acontece devido à legislação italiana à época. Se o cidadão italiano fosse ao exterior e se naturalizasse em outro país, automaticamente abdicava da cidadania italiana. Atualmente isso não acontece. Em situações como essa, a cidadania italiana é mantida ainda diante da naturalização.

Conforme a antiga Lei italiana 555 de 13/06/1912, o cidadão italiano naturalizado brasileiro perdia sua nacionalidade. Mas isso mudou quando passou a vigorar a Lei 91 de 05/02/1992, que permitiu a dupla cidadania do cidadão italiano, a menos que ele renunciasse formalmente a ela. Dessa maneira, para o questionamento sobre se um cidadão italiano naturalizado brasileiro perde o direito de transmitir a cidadania italiana, a resposta é: talvez.

Antes de tudo, há que se observar a data da naturalização. De acordo com o artigo 11 do Código Civil Italiano de 01/07/1912, os filhos até 21 anos – ainda considerados menores de idade naquela época – perdiam a nacionalidade italiana junto com seu genitor naturalizado (independente da nacionalidade). Após essa data, é preciso observar a data da naturalização e a data de nascimento do filho.

O requerimento da CNN pode ser feito em dois momentos do processo de obtenção da cidadania italiana. Quando o solicitante acabou de conseguir a certidão de nascimento do antenato italiano e vai à página do Ministério da Justiça a fim de comprovar se houve a naturalização – como visto, se tiver ocorrido antes do nascimento do dante causa, o direito à cidadania italiana é perdido. Em um segundo momento, a CNN pode ser solicitada durante a finalização da reunião dos documentos no Brasil. 

Para a emissão da CNN pelo endereço eletrônico do Ministério da Justiça, é preciso informar os dados pessoais do requerente e do italiano dante causa, demonstrando o grau de parentesco a fim de aquisição de cidadania italiana. Não adianta dar prosseguimento ao preenchimento sem a certidão de nascimento do antenato em mãos, inclusive os documentos no Brasil, observando que tudo deve se declarado com exatidão, inclusive considerando possíveis formas diferentes de grafia do seu nome, como denominações abrasileiradas, por exemplo. Os dados precisam ser exatamente aqueles presentes nos documentos italianos e nos documentos brasileiros, com todas as certidões em inteiro teor. 

Uma observação: de posse das informações contidas em certidões de nascimento, casamento e óbito, é possível verificar se o nome do antepassado italiano foi ‘abrasileirado’ ou se houve algum erro de grafia nos registros a partir do momento em que ele chegou ao Brasil. E, na hora de requisitar a CNN, todas as ‘versões’ do nome do parente devem ser declaradas, incluindo inversão na ordem de nome e sobrenome (clicando no símbolo de ‘mais’ (+) no campo “Nome”).

Diante da emissão da CNN, fica atestado que tudo corre bem, ou seja, não há impedimentos quanto a uma eventual naturalização do antepassado, e então é hora de correr atrás de toda a papelada requerida. Vale lembrar que, emitida a CNN, ela ainda precisa ser autenticada para se tornar um documento oficial.  

Antes de recorrer ao Ministério da Justiça, uma forma de saber se o antepassado se naturalizou é acessando a página do Diário Oficial da União. Se o seu antepassado se naturalizou, essa informação consta nos resultados, inclusive com a indicação da data em que isso foi realizado. Se a busca não gerou resultados, o antenato não se naturalizou brasileiro e, assim, é necessário certificar esse fato diante do consulado, e isso é feito com a emissão da CNN. Se o antepassado se naturalizou brasileiro depois do nascimento dos descendentes, é pedida a Certidão Positiva de Naturalização (CPN), que mostrará a data em que a naturalização ocorreu (nessa situação, como visto, o direito não está comprometido).

A CPN é uma maneira de deixar claro às autoridades italianas que o parente se tornou brasileiro, mas seus filhos ainda podem ter a cidadania na Itália (no caso citado, quando a naturalização acontece após o nascimento dos filhos dante causa). O documento é um pouco diferente – para ser composto, são mais detalhes e formalidades (com menção ao Decreto de Naturalização). Enquanto a CNN é gerada instantaneamente pelo sistema online, o Ministério da Justiça tem demorado alguns meses para emitir as CPNs

Por que alguns italianos se naturalizavam brasileiros?

A maioria dos italianos que imigrou para o Brasil veio para trabalhar nas lavouras de café. A nacionalidade não era uma questão importante para eles – muitos inclusive analfabetos ou com pouca instrução. Somente os imigrantes mais urbanos ou de classe média que queriam votar ou concorrer a cargos públicos se naturalizavam. Outro motivo para a naturalização era o medo de serem chamados pelo governo italiano para lutar nas guerras, especialmente na Segunda Guerra Mundial.

Casos de família

No início do processo para aquisição da cidadania italiana, é interessante conversar com a família, principalmente com os mais velhos, para descobrir tudo sobre o italiano dante causa. Nenhuma informação deve ser ignorada e uma dica valiosa é guardar todos os documentos encontrados – tudo pode ser útil em um momento posterior.

Se nenhum parente tiver informações sobre a naturalização brasileira do italiano, o segundo passo é buscar no cartório suas certidões brasileiras de casamento e de óbito, assim como os documentos dos filhos, que podem ajudar, já que fornecem informações sobre os pais. É importante solicitar ao cartório que sejam emitidas no formato inteiro teor, que é a cópia integral do registro.

Nessas certidões dá para ter informações sobre a nacionalidade do italiano. Se ele tiver se naturalizado brasileiro, em alguma delas (pelo menos na de óbito), estará registrado que era cidadão brasileiro, ou cidadão naturalizado brasileiro.

No caso de não localização de nenhum documento que mencione a naturalização, aí sim o próximo passo é emitir a CNN no site do Ministério da Justiça. Essa certidão comprova oficialmente que o italiano realmente não se naturalizou brasileiro. O documento é obrigatório também para o requerimento da cidadania italiana por descendência.

2 – CIDADANIA POR DERIVAÇÃO MATERNA

E quando o italiano dante causa é uma mulher? Essa é uma questão em particular e que gera dúvidas. Ter uma linhagem materna, como é chamada, pode mesmo alterar o rumo das coisas. Atualmente, independente da data em que essa mulher e seus filhos nasceram o pedido para reconhecimento da cidadania italiana é possível. Mas nem sempre foi assim. Em uma situação específica, quando a mulher casava, passava a ter a cidadania do marido, e se seus filhos nasciam antes de 1948, ocorria a perda de direito da cidadania italiana para os descendentes.

De acordo com a lei italiana N° 555, de 13/06/1912, no artigo 10º, a mulher que se casava com um cidadão estrangeiro (não italiano), perdia automaticamente a cidadania, assumindo a do marido. Entretanto, essa lei foi considerada inconstitucional em 1975 e foi retroativa somente até 1948 – daí tanto desencontro de informações.

É preciso levar em conta não apenas o dia em que o filho dessa mulher nasceu, mas, na verdade, a data em que ela firmou casamento – se o matrimônio aconteceu após 1948, tudo certo. Se foi antes, no entanto, é considerado para fins do processo o nascimento de seu filho que, mais uma vez, se tiver se dado depois de 1948, também não ocasiona impedimentos para o requerimento da cidadania.

O esclarecimento sobre a especificidade do ano de 1948 se dá porque é a partir daí que as mulheres foram reconhecidas civilmente perante a sociedade: no dia em que a Constituição da República Italiana entrou em vigor – 1° de janeiro de 1948 – quando passaram a ter os mesmos direitos civis dos homens. Entre eles, dignidade social, sem discriminação de sexo, raça, idioma, religião, opiniões políticas e condições pessoais e sociais. Antes disso, as mulheres italianas não tinham nenhum direito civil, incluindo o de transmitir a cidadania aos seus filhos.

Ainda com a lei de 1948 validada, não era permitido que as italianas transmitissem a cidadania aos seus descendentes àquela época, o que foi se desenrolando gradativamente, diante de novos entendimentos.

Baseada na nova Constituição de 1948, a Corte Constitucional emitiu a sentença de número 87, de 16 de abril de 1975, declarando a ilegitimidade constitucional do artigo 10º, parágrafo 3º da lei 555 de 1912, que previa a perda da cidadania italiana automática da mulher por ter se casado com estrangeiro independente de sua vontade expressa. Isso foi oficialmente regularizado até a entrada da lei número 151, de 19 de maio de 1975.

Mais tarde, em 1983, a mesma corte determinou outra inconstitucionalidade quanto ao artigo 1º, parágrafo 2º da lei 555 de 1912. Com a sentença de número 30 de 28 de janeiro de 1983, reconheceu às mulheres o direito de transmitir a cidadania italiana para seus descendentes. Enfim, em 21 de abril de 1983, o artigo 5º da lei número 123, estabeleceu que é cidadão italiano o filho menor (natural ou adotivo), de pai ou mãe italiana. 

Ainda assim, os impactos das decisões da Corte Constitucional não puderam retroagir antes da constituição de 1948. Dessa maneira, segue vigorando a restrição da perda do direito à cidadania caso os filhos de uma mulher italiana tivessem nascidos antes de 1948. O que não evita confusões. Poderia acontecer, por exemplo, de uma família ser dividida com um irmão nascido em 1947 e outro em 1949 – só o filho que havia nascido em 1949 poderia fazer o processo e passar adiante a herança consanguínea.

O reconhecimento da cidadania italiana por via judicial no Tribunal de Roma, por intermédio de um advogado italiano, tornou-se possível em 2009, com a sentença número 4466 de 25/02/2009. A decisão foi importante para não frustrar o sonho de muitos descendentes de italianos que tiveram sua linhagem interrompida perante a lei e agora poderiam novamente pleitear, mesmo que judicialmente, o seu reconhecimento à cidadania italiana. Agora, as chances de se obter um deferimento são consideráveis, de acordo com o histórico de sentenças que vêm sendo proferidas. Mesmo que exista jurisprudência favorável (histórico de decisões judiciais), há um risco de a sentença ser negativa – porém, um risco pequeno. 

Processos judiciais foram ganhos permitindo que filhos nascidos antes de 1948 possam tirar a dupla cidadania italiana via materna.Quando se trata desse tipo de processo, é obrigatório entrar com a ação judicial para requerer a cidadania, e para todo pedido via judicial é necessário um advogado inscrito na Ordem dos Advogados da Itália, pois são ações que tramitam diretamente em outro país.

Já para quem nasceu de mães italianas depois de 1948, o processo pode ser prosseguido pela via administrativa. Todos os filhos nessa situação podem requerer a cidadania italiana por via materna sem qualquer restrição especificada na lei da nacionalidade italiana. Os prazos para cada tipo de processo variam se o requerente nasceu antes ou depois de 1948. Diante das mudanças de um processo para o outro, consequentemente, os prazos também irão diferir.

O processo de dupla cidadania italiana para solicitantes nascidos antes de 1948 tem tempo de conclusão entre cerca de dois anos, já que o processo judicial deverá tramitar diretamente na Itália em tribunal italiano. O processo realizado depois de 1948 se trata de um procedimento comum, e assim pode ocorrer na Itália ou pelo Brasil. No primeiro caso, o prazo pode variar de três a seis meses. Já o processo feito pelo Brasil, diante das filas nos consulados italianos, pode levar entre dois e 13 anos de espera, dependendo do consulado italiano.

Cada processo envolve documentos diferentes que deverão passar por validação em órgãos distintos. Os documentos necessários que não estiverem nas mãos da família deverão ser buscados diretamente na Itália em cartórios e órgãos públicos italianos, como, por exemplo, certidões de nascimento, casamento e óbito.

3 – CIDADANIA ITALIANA PARA DESCENDENTES DE TRENTINOS

Outra situação que pode acarretar a perda do direito de ser reconhecido italiano diz respeito à cidadania italiana para trentinos. Para saber do que se trata, é preciso conhecer a história da Itália e entender o processo de unificação do país. 

O movimento de unificação foi turbulento, longe de ser tranquilo – em várias localidades houve resistência dos reinos que viviam nas regiões em questão e não queriam ceder suas terras. Uma situação específica principalmente em Trento, Bolzano e Gorizia, no Norte da Itália, onde hoje está a província autônoma de Trento. Ali, era o Império Austro-Húngaro o dominante – Trentino fica logo na divisa entre Itália, Suíça e Áustria, uma região estratégica em termos militares e políticos.

Apenas com o término da Primeira Guerra Mundial, em 10 de setembro de 1919, por meio do tratado de Saint-Germain-en-Lave (em 16 de julho de 1920), é que essas regiões foram de uma vez por todas anexadas ao território da Itália. E só depois disso os trentinos se tornaram cidadãos italianos de fato, deixando de ser cidadãos austríacos.

Mesmo assim, isso não aconteceu com todos os trentinos, apenas os que residiam até aquela data nas comunas italianas, antes pertencentes ao Império Austro-Húngaro. Quem quis manter a cidadania austríaca precisou se mudar para a Áustria, que havia se tornado uma república.

Então, retomando, com a anexação, os moradores dessas regiões puderam mais facilmente conseguir a cidadania italiana, já que esses locais passaram a fazer parte do país. Mas o que acontece é que milhares de trentinos emigraram dessas áreas no decorrer da guerra, muitos até mesmo sem levar seus documentos, o que acarretou problemas sobre a nacionalidade desses emigrados. Grande parcela deles não podiam mais comprovar que viviam nesses locais antes do conflito.

E mais. Os descendentes de trentinos também encontraram entraves para provar que seus pais viviam nessas áreas antes da guerra, e dessa maneira não conseguiram mais obter a cidadania italiana por descendência. Assim, muitos desses indivíduos eram tidos como imigrantes perante o governo italiano, ainda que tenham passado boa parte da vida nessas regiões.

Em dezembro de 2000, com a aprovação da lei 379/2000, o Parlamento Italiano passou a reconhecer a cidadania italiana aos nascidos e aos residentes nos territórios que pertenciam ao Império Austro-Húngaro e aos seus descendentes. Mas a solicitação da cidadania italiana poderia ser realizada apenas até o dia 20 de setembro de 2005, prazo que acabou sendo prorrogado para 19 de dezembro de 2010.

Aconteceram controvérsias, mas mesmo assim o estado italiano não prolongou esse período. Com isso, aqueles que não ingressaram com o pedido de reconhecimento da cidadania durante esse tempo, não podem mais fazê-lo. Ou seja, quem era muito jovem ou nem ficou sabendo desse prazo não consegue mais requerer a cidadania italiana.

Existem certas situações, no entanto, em que ainda é possível fazer o procedimento para dupla nacionalidade:

– Se o ascendente trentino ou de outra região anexada nasceu após 16 de julho de 1920 é considerado cidadão italiano e todos os seus descendentes possuem o direito ao reconhecimento da cidadania administrativamente

– Se o ascendente trentino ou de outra região anexada que tenha emigrado após 16 de julho de 1920, desde que ocorra a comprovação por intermédio do cartão de desembarque ou qualquer outro documento, igualmente é considerado cidadão italiano e os descendentes possuem o direito ao reconhecimento da cidadania italiana via administrativa

Atualmente, é praticamente impossível conseguir a cidadania italiana se o postulante for descendente de trentinos ou de familiares que moravam em regiões anexadas pela Itália em 1919. Até hoje, imigrantes trentinos e seus descendentes encontram dificuldades para serem reconhecidos como cidadãos europeus e muitos morreram sem ao menos saber que foram considerados apátridas após a guerra.

Há pressões políticas para que isso mude, mas não há nenhuma indicação no futuro próximo de que a situação melhorará para os descendentes. Vale reforçar que os problemas burocráticos se referem aos trentinos (e seus descendentes) que nasceram e moravam na região antes da anexação.

Uma outra saída para os trentinos: cidadania italiana via materna

Quando o antepassado dante causa é de origem trentina e a família não entrou com o processo administrativo até 2010, conforme a lei 379, não quer dizer que seja totalmente impossível ter reconhecido o direito à cidadania italiana. Uma alternativa pode ser buscar na árvore genealógica um outro antenato que tenha nascido em uma região da Itália fora daquelas áreas de posse dos austro-húngaros até a Primeira Guerra Mundial. E é dentro dessa procura que pode acontecer de localizar uma mulher na árvore genealógica que pode ser a salvação do descendente de trentino. A cidadania italiana via materna pode ser o caminho para quem perdeu o prazo da lei italiana de 2000.

Ainda assim, cada caso é único, e apenas diante de uma análise minuciosa é que se pode entender se é possível ou não o reconhecimento da cidadania italiana.

Veja quais são os territórios do extinto Império Austro-Húngaro que até 16 de julho de 1920 não pertenciam à Itália:

  • Todos os municípios da província de Bolzano/Bozen (Tirol do Sul)
  • Todos os municípios da província de Trento (Tirol italiano)
  • Todos os municípios da ex-província de Gorizia
  • Todos os municípios da ex-província de Trieste
  • Apenas 15 municípios da ex-província de Údine: Aiello del Friuli, Aquileia, Campolongo al Torre, Cervignano del Friuli, Chiopris-Viscone, Fiumicello, Malborghetto-Valbruna, Pontefella (somente a parte oriental do atual município de Pontebba), Ruda, San Vito al Torre, Tapogliano, Tarvisio, Terzo di Aquileia, Villa Vicentina e Visco
  • Apenas três municípios da província de Belluno: Cortina d’Ampezzo, Colle Santa Lucia e Livinallongo del Col di Lana
  • Apenas um município da província de Vicenza: Pedemonte e a comuna extinta de Casotto);
  • Apenas dois municípios da província de Bréscia: Magasa e Valvestino

‌Para efeito da aquisição da cidadania italiana, o antepassado que imigrou para o Brasil precisa ter falecido após 17 de março de 1861, ano da unificação da Itália. Se é originário do Veneto, precisa ter falecido após 22 de outubro de 1866 (não nasceu italiano, porém morreu como italiano). No caso de a origem ser Trento, precisa obrigatoriamente ser falecido após 1920. O italiano pode ter nascido antes de 1861 (unificação) ou 1866 (anexação do Vêneto), mas não pode ter ido para o Brasil antes disso. Em todos os casos, deve ter morado na Itália após a unificação.

4 – O PROBLEMA DA FILIAÇÃO

Uma questão recorrente que pode impedir o direito ao reconhecimento da cidadania italiana é o problema na filiação. Basicamente, duas situações são fundamentais para manter o direito: os pais eram casados civilmente antes do nascimento do filho, o dante causa, e quem declarou a criança é aquele que transmite a cidadania. A aquisição do título de cidadão italiano fica impedida quando algum ascendente não casou oficialmente ou casou após a maioridade do filho. Essa pode ser uma grande barreira para um processo de cidadania e, em alguns casos, até inviabiliza o processo. 

Se o indivíduo tem o direito de pleitear o reconhecimento da cidadania italiana, isso se deve ao fato de ser descendente de italianos: filho, neto, bisneto, por exemplo. A regra, de 1992, pode parecer recente, mas consta no direito italiano, de maneira expressa, desde o Código Civil de 1865 (Codice Civile del Regno D’Italia). A diferença é que nas redações anteriores a legislação não fazia incluir a expressão “filho de mãe cidadã”, o que tem a ver com a linhagem materna, já explicitada aqui.

E não existe um limite de gerações quando se trata de cidadania italiana. Pensamos em uma situação hipotética: o tataravô, natural da Itália, que chegou ao Brasil em 1890, é quem assegura o direito de cidadania ao solicitante. Por aqui casou, teve filhos, e um deles é o trisavô do postulante que, mesmo nascido no Brasil, é italiano, já que a Itália segue a norma da nacionalidade a partir do direito de sangue (iure sanguinis). Seguindo a linhagem familiar, bisavô, avô, pai e o requerente são, uma vez filhos de italianos, todos igualmente italianos.

Um entrevero pode ocorrer se o tataravô, estando em território brasileiro, registrou o nascimento do seu trisavô somente no Brasil, e não atualizou esta informação perante as autoridades italianas competentes. Assim, a Itália não sabe, no âmbito registral, que o seu tataravô se casou e teve filhos. Também não sabe sobre o nascimento do bisavô, dos filhos dele e assim sucessivamente. Pelo que consta nos registros italianos, o tataravô não teve filhos e nem mesmo teria se casado. E é por isso que a Itália ainda não pode reconhecer o pedido para ser cidadão italiano (apesar da lei assegurar que o requerente o é desde o nascimento).

Se os antepassados não são reconhecidos, isso significa que não podem exercer os direitos decorrentes desta nacionalidade, exceto por um, que é justamente o direito de transmiti-la aos descendentes. O processo de reconhecimento funciona, inicialmente, para corrigir e atualizar o registro italiano. Somente assim o interessado pode exercer a plenitude dos direitos advindos da segunda nacionalidade. Em termos práticos, o grande objetivo do processo de cidadania é provar, para a autoridade competente, que o candidato é filho de italiano.

Para essa comprovação, a forma mais usual é através do casamento. No caso do avô ter nascido depois do casamento dos bisavós, entende-se que é filho deles, e aqui não existem problemas. Mas, se o avô (ou qualquer outra pessoa dentro da linhagem que fornece o direito) nasceu fora do casamento, a situação deve ser melhor avaliada.

Em uma situação como essa, o primeiro passo é observar a certidão de nascimento desta pessoa (nascida fora do casamento) e verificar quem foi o declarante, a pessoa que foi ao cartório para fazer o registro desse nascimento – ela constará no registro como declarante (essa informação aparece apenas no formato de inteiro teor). Se o declarante é quem transmite a cidadania italiana, não há impedimentos.

Novamente, exemplos: a linhagem do solicitante à cidadania italiana começa com o trisavô, nascido na Itália. Se casou com a trisavó e daí nasceu o bisavô que, nascido dentro do casamento, com certeza é filho do trisavô (essa é a situação ideal). A confusão acontece quando, dentro do mesmo exemplo, o avô nasceu, os bisavós não eram casados, ou seja, é um filho nascido fora do casamento. É nessa situação que será preciso observar, na certidão de nascimento do avô, o declarante. Se o declarante foi o bisavô, que é a pessoa que transmite o direito, questão solucionada – é simples comprovar para a autoridade competente que o avô é filho de italiano (e que logo, pela lógica de sucessão, o pai e o requerente também são).

Porém, caso o avô tenha nascido fora do casamento e o declarante não é o bisavô, está configurado o problema de filiação, que não poderá ser atestada perante a autoridade. Trata-se do problema mais complicado que pode acontecer em um processo de cidadania. Nessa circunstância, o solicitante simplesmente não terá o direito quanto ao reconhecimento da cidadania italiana.

Se isso acontecer, uma alternativa pode ser avaliar se existe alguma outra linha de ascendência, que forme o vínculo com outra pessoa nascida na Itália. A única exceção é se o bisavô ainda estiver vivo. Dessa maneira, a questão é contornada através de uma declaração de paternidade/maternidade lavrada em escritura pública no tabelionato de notas.

Ainda quanto à hipótese de filhos nascidos fora do casamento, alguns consulados exigem que ambos os genitores constem como declarantes na certidão de nascimento, o que pode ocasionar um grande problema para o caso de antepassados mais antigos, o que é contornável pela via judicial.

Outra situação que não pode ser ignorada, ainda que pouco comentada, é quando os filhos nascem de relação extraconjugal até 1975 (ano da reforma do Estatuto da família na Itália). Nessa hipótese, a única solução é a via judicial, ou seja, o candidato à cidadania não perde o direito, mas não poderá se valer do requerimento administrativo dirigido ao consulado ou ao comune italiano. O problema é resolvido pela via administrativa se, na declaração do nascimento deste filho, constar como anuente a esposa legítima. 

Dentro do assunto da filiação, outras circunstâncias devem ser consideradas. Pode acontecer dos pais terem se casado após o nascimento da pessoa em questão. No mesmo exemplo, se quando o casamento dos avós ocorreu quando o pai do postulante ainda era menor de idade, igualmente a autoridade italiana presumirá que o pai é fruto deste casamento e, portanto, não haverá um problema de filiação.

Na hipótese de declaração tardia, quando o pai da criança assume a paternidade em momento posterior, se essa paternidade, igualmente, for reconhecida enquanto o filho é menor de idade, não há impedimentos quanto à filiação. Porém, atenção. Se esse reconhecimento ocorreu na maioridade, não será possível prosseguir com o processo de reconhecimento pela via do iure sanguinis – o procedimento muda e se torna muito mais complexo – é a chamada cidadania por eleição, tema para uma abordagem posterior. O mesmo ocorre no caso de registro tardio de nascimento por autodeclaração na maioridade.

Nós temos uma equipe especializada em reconhecimento de cidadania italiana e podemos te auxiliar durante todo o processo. Entre com contato pelo email: travessiacidadania @ gmail.com ou pelo WhatsApp: 31 9 93 25 98 89.