O ano de 1874 no Brasil marca a criação formal e generalizada do registro civil. O decreto de 25 de abril daquele ano dá impulso para que as grandes cidades do país passassem a iniciar, a partir de 1875, a instalação dos cartórios de registro civil. A princípio, era obrigatório que todo recém-nascido, filho de nacional ou estrangeiro, fosse apresentado no prazo máximo de 30 dias após o nascimento ao escrivão de paz do município de residência da família, salvo quando não houvesse local para esse registro a uma distância de 6 quilômetros – com isso, em muitos casos, cabia à Igreja a competência para registrar o nascimento. Isso porque muitos municípios do interior dos estados ainda demoraram para ter cartórios.
Mais tarde, imposta em decreto de 7 de março de 1888 e passando a vigorar em 1889, a universalização do registro civil determina, então, a obrigatoriedade do registro de nascimento, casamento e óbito em ofícios do Estado, criados e delegados a privados, deixando de ser uma prerrogativa da Igreja. Para quem está em processo de obtenção de cidadania italiana e precisa apresentar certidões de nascimento de ascendentes, é importante saber que a certidão de batismo por via religiosa, antes de 1889, é válida.
A papelada
Para o requerente à cidadania italiana, uma etapa crucial dos trâmites de reconhecimento é a entrega da documentação ao consulado, que deve estar em conformidade com o que pede a lei. Entre toda a papelada, as certidões de nascimento, casamento e óbito estão entre os documentos mais importantes, já que são uma forma de comprovar a árvore genealógica e mostrar que o sangue italiano realmente corre nas veias do interessado.
Para reconhecer a cidadania italiana por descendência, por exemplo, é necessário reunir todas as certidões de nascimento, casamento e óbito desde o italiano imigrado para o Brasil, até as de quem vai requerê-la. Ou seja, as certidões servem para construir a ponte entre o antepassado de quem busca o direito à cidadania e esse interessado. É preciso ter em mãos os seguintes documentos: certidão de nascimento de todos os descendentes do antenato até o postulante, certidão de casamento de todos os descendentes do antenato até o postulante, certidão de óbito de todos os descendentes que já tiverem falecido.
O que é Certidão em Inteiro teor?
Na hora de apresentar as certidões, no Brasil ou na Itália, seja de um bisavô, trisavô, ou parentes mais próximos, é preciso que elas estejam no formato que se chama inteiro teor. É o termo jurídico que designa um documento que contém absolutamente todas as informações registradas em cartório sobre um evento específico – diferente das certidões comuns que habitualmente se tem em casa.
Nesse modelo, para uma certidão de nascimento inteiro teor, por exemplo, estão contidas todas as informações sobre o nascimento em questão – até mesmo se houve alguma correção nos registros ou quaisquer modificações que ocorreram nos dados ao longo dos anos. Um documento completo, pode-se dizer assim – transcrito na íntegra, ipisis litteris, ou seja, exatamente da maneira que está no original arquivado.
É no cartório em que o registro está guardado onde se consegue a emissão da certidão inteiro teor, e onde todos os dados podem ser conferidos e eventuais informações a mais adicionadas – constarão todas as anotações e averbações (correções) que tiverem sido feitas no registro. É preciso assinar ali mesmo um documento de requisição, em que são registrados os dados do solicitante (nome completo, RG e CPF) e seu grau de parentesco com o indivíduo da certidão (caso a certidão não seja a própria), além do motivo pelo qual a certidão está sendo requisitada. Com isso, é só pagar o preço de tabela (sempre igual para todos os cartórios de um mesmo estado) e espera-se aproximadamente uma semana até o documento estar pronto.
Uma dica: a maneira de pedir uma certidão de inteiro teor varia de acordo com o porte do cartório – se está em uma grande cidade ou no interior, por exemplo. Uma boa ideia é entrar em contato com o cartório e procurar saber como funciona a emissão de certidões de inteiro teor naquele estabelecimento. Caso o serviço esteja disponível, muitas vezes é possível fazer a solicitação por e-mail, e o pagamento pode ser feito por transferência/depósito bancário – o cartório envia a certidão pelos Correios.
Entre as informações encontradas nas certidões de nascimento de inteiro teor, estão: data, local e hora do nascimento, sexo, nome dos pais, nome dos avós maternos e paternos e, em caso de gêmeos, a certidão trará o nome e o sexo do irmão. Também devem constar averbações sobre casamentos, divórcios ou óbitos registrados (se for o caso).
Nas certidões de casamento de inteiro teor, estão: nome completo e dados pessoais dos cônjuges, data e local do casamento, nome e dados das testemunhas, qual o regime de comunhão, nomes após o casamento (isso serve, principalmente, para documentar a mudança do nome, caso tenha ocorrido) e, quanto a pessoas divorciadas, também as informações e a data do divórcio, averbações sobre divórcio do casal ou óbito de um dos cônjuges (se for o caso).
Para as certidões de óbito em inteiro teor, devem informar: data, local e hora do óbito, dados do declarante e do falecido, motivo do óbito, nome dos pais e estado civil do falecido, dados dos filhos (se houver).
Exigência
A exigência das certidões inteiro teor é devida à orientação dada pela Associação Nacional dos Oficiais de Estado Civil aos comune italianos de aceitar somente esse tipo de certidão nas situações de reconhecimento da cidadania italiana de brasileiros. Com isso, os oficiais italianos podem ter ciência de todas as informações pertinentes referentes ao solicitante brasileiro e aos seus antepassados, o que facilita a reconstrução da árvore genealógica de um indivíduo.
Para entender o porquê dessa obrigatoriedade, basta observar a quantidade de erros que existem em certidões antigas – como eram escritas à mão, muitas vezes era complicado decifrar a letra do escrivão, e muitos erros de grafia acabavam ficando registrados.
Por outro lado, é comum que os registros históricos tenham informações adicionais acrescentadas ao longo dos anos, ou tenham informações modificadas e corrigidas. Um exemplo? Muitos italianos, ao chegar ao Brasil, tiveram seus nomes ou sobrenomes alterados na hora da apresentação à imigração brasileira. Giuseppes são Josés no Brasil, e isso interfere na documentação, afinal, é uma pessoa com dois nomes. Essa espécie de dado e o porquê disso, tudo fica anotado em cartório, informações que estarão presentes apenas nas certidões de inteiro teor.
As certidões de inteiro teor, dessa maneira, ajudam a esclarecer dúvidas e a assegurar que as informações se referem, de fato, à pessoa certa. Também são importantes para determinar se há alguma interrupção na linha de transmissão da cidadania.
Tanto os consulados italianos quanto os comune exigem a certidão em inteiro teor para reconhecer a cidadania italiana. A documentação necessária é a seguir: certidão de nascimento original do antepassado italiano; certidão negativa de naturalização (CNN) do antepassado italiano, certificado de casamento (italiano ou brasileiro), atestado de óbito em inteiro teor, certidões referentes a todos os descendentes (todas em inteiro teor).
Qual a diferença entre certidão de breve relato e de inteiro teor?
As certidões não são todas iguais. No cartório podem ser requisitados variados tipos. Ao contrário das certidões inteiro teor, denominam-se as de breve relato esse formato de documento que transcreve as principais informações de um registro em específico ou de documentos arquivados. São as certidões simples, solicitadas na maior parte dos casos, com um resumão dos dados.
A certidão recebida pelos pais no ato de registro de um filho no cartório é uma breve relato. Assim, ela é mais curta e contém as informações principais sobre a pessoa em questão, como data de nascimento, hora e local do nascimento, nome dos pais, quem são os avós, maternos e paternos, data do registro.
Localizar os documentos pode ser uma tarefa árdua, já que muitas vezes são antigos e fatos como mudança de cidade podem dificultar as buscas desses registros. É um trabalho de investigação e paciência.
Qual a diferença entre certidão civil e religiosa?
Outra diferença entre as certidões é se são religiosas ou civis e qual deve ser apresentada. É fundamental ter ciência sobre quando é possível usar certidões religiosas para a cidadania italiana, para proceder com as buscas pelos registros dos ascendentes, assim como avaliar se essas certidões religiosas serão aceitas na hora de requerer o reconhecimento da cidadania.
Como dito anteriormente sobre a obrigatoriedade do registro civil no Brasil a partir de 1889 (e já que os cartórios só foram implantados aos poucos no país, primeiro nas capitais e nos grandes municípios, o que faz com que muitas pessoas só encontrem o registro religioso (certidão de batismo) em um local pequeno e o registro civil em uma cidade maior), se um dos ascendentes nasceu no Brasil antes de janeiro de 1889, a respectiva certidão de batismo emitida pela paróquia, ou seja, a certidão religiosa, pode ser apresentada – o documento precisa estar devidamente legalizado pela Cúria Episcopal competente.
Já os registros civis de casamento começaram a ser obrigatórios dois anos depois, a partir de fevereiro de 1891. Dessa maneira, as certidões de casamento religiosas emitidas pela paróquia até essa data também são aceitas, desde que estejam legalizadas pela Cúria. Para os matrimônios ocorridos depois disso, apenas as certidões emitidas pelos cartórios têm validade.
Quando o aspirante a cidadão italiano localiza apenas a certidão religiosa em um período que já existia o registro civil, uma orientação é esgotar todas as possibilidades de cidades para encontrar a certidão civil e insistir com os cartórios na busca – pode acontecer de o registro não ser encontrado por não ter sido procurado de maneira adequada.
Caso não seja mesmo localizado, é importante pedir para o cartório fazer uma certidão negativa relatando o fato e registrando tudo por escrito. Depois disso, é hora de dar prosseguimento a um processo judicial de suprimento de registro, a famosa “certidão tardia”, mas esse documento nem sempre é aceito. Varia conforme o lugar em que é feito o processo de reconhecimento e se é por via administrativa ou judicial.
Qual a diferença entre certidão reprográfica e digitada?
Quando se trata de certidões reprográficas ou digitadas, a distinção é que a primeira é uma cópia (xerox) da página em que está o registro, enquanto a certidão de inteiro teor é digitada – nesse segundo formato, as informações são mais compreensíveis, o que ajuda no caso de um livro de registro antigo, em que nem sempre a letra do escrivão é legível. Mas não é considerada uma reprodução fiel dos assentos do livro, uma vez que suas informações foram digitadas e impressas em uma nova folha. O tipo de certidão mais utilizada para os processos de cidadania italiana é a certidão em inteiro teor digitada. Já as cópias reprográficas normalmente são necessárias para os processos de cidadanias portuguesa e espanhola.
Onde encontrar as certidões?
No Brasil, as certidões de nascimento, casamento e óbito devem ser procuradas em cartórios, cúrias ou igrejas, e isso tem relação estreita com a história dos registros civis e religiosos. Como visto, a obrigatoriedade do registro civil no país passou a valer em 1º de janeiro de 1889 – antes disso, todas as certidões eram produzidas pelas igrejas. Ainda depois dessa determinação, aconteceu de os cartórios serem criados aos poucos, primeiro nas grandes capitais e cidades maiores. Assim, para quem vive em municípios de maior porte, é simples encontrar esses registros em cartórios, ao mesmo tempo em que residentes de localidades menores acham apenas o registro religioso (certidão de batismo).
Se acontecer de um dos ascendentes brasileiros ter nascido antes de janeiro de 1889, a respectiva certidão de batismo emitida pela paróquia pode ser apresentada, mas o documento deve estar legalizado pela Cúria Episcopal competente. No caso de casamentos, o registro civil em específico passou a ser obrigatório em 24 de fevereiro de 1891. Dessa maneira, as certidões de casamento religiosas emitidas pela paróquia antes dessa data são aceitas, desde que estejam legalizadas pela Cúria. Para os matrimônios ocorridos depois, somente as certidões emitidas pelos cartórios têm validade.
Na Itália também acontecia de os registros estarem a cargo das paróquias locais, sendo que os registros civis foram implantados em diferentes momentos, uma vez que o território era dividido em vários reinos que mais tarde foram anexados ao país como conhecido hoje. Naquele país, não existem cartórios de registro civil como no Brasil. Todas as certidões de nascimento, casamento e óbito são feitos pelo Departamento de Estado Civil (Ufficio Stato Civile) das próprias prefeituras, que são chamados de comunes.
Dessa forma, quando a busca acontece na Itália, existem três formas de procurar as certidões: em igrejas, cartórios ou em sites especializados nesse tipo de busca. Quanto às igrejas, isso acontece porque, antes da existência dos cartórios (anagrafes), os registros de nascimento eram realizados aí. Conforme a data de nascimento do ascendente italiano, é mais provável encontrar as certidões diretamente na igreja ou na paróquia local. Para tanto, é necessário saber onde o antenato italiano nasceu, além de nome completo, data de nascimento (mesmo que apenas aproximada) e nomes dos pais.
Nas igrejas, a busca pode ser feita presencialmente, através de uma assessoria ou por e-mail, caso a paróquia disponibilize um contato online. Se o dia de nascimento do antenato italiano for mais recente, após a criação dos registros civis, procurar as certidões na Itália através de um cartório é o melhor o caminho. É necessário apresentar, ao menos, as informações básicas sobre o ascendente italiano, para dar ao cartório os dados necessários para que o documento seja localizado em seus registros.
O contato com o cartório também pode ser feito presencialmente, através de assessoria ou e-mail. Muitos cartórios italianos fazem esse tipo de atendimento.
Outra forma de obter certidões diretamente da Itália (ou pelo menos informações) é utilizar sites que oferecem esse tipo de serviço. Em muitos deles, podem ser feitas as buscas pelos dados disponíveis, sendo possível ter acesso a dados do registro civil italiano.
Certidão Negativa de Naturalização (CNN)
A Certidão Negativa de Naturalização (CNN) destina-se a comprovar que o italiano não se naturalizou brasileiro. Se isso tiver acontecido antes do nascimento dos filhos, os descendentes podem perder o direito de adquirir a cidadania. O documento é facilmente requisitado pelo endereço eletrônico do Ministério da Justiça, sem a cobrança de qualquer taxa. Eventualmente, o Ministério da Justiça irá pedir um tempo para emitir a certidão negativa de naturalização. Isso ocorre quando há múltiplos pedidos para o mesmo requerente, ou algo que eles queiram checar de forma mais aprofundada.
Nunca é demais recomendar: o processo de cidadania italiana requer a inclusão de todas as variações de nomes e sobrenomes presentes nos documentos. Assim, é recomendável emitir a CNN apenas depois de ter acesso às certidões do antenato.
Uma situação em particular pode acontecer se o italiano, depois de se mudar para o Brasil, optou por naturalizar-se brasileiro, mas decidiu não fazer o mesmo por seus filhos. Essas crianças seguem com o direito de transmitir a cidadania italiana para futuras gerações. Mas, se o italiano tiver mais filhos ou filhas depois da naturalização, esses não terão direito à cidadania italiana. Sem a CNN, o comune não aceitará o processo nem mesmo para conferência dos documentos.
A certidão negativa de naturalização precisa ser traduzida e apostilada junto às demais certidões. Por padrão, não precisa necessariamente ser emitida pelo requerente da cidadania italiana em si. Mas alguns comunes confundem-se com isso. O ideal é que o requerente mesmo emita (ou um dos requerentes, em caso de processo com mais de um requerente).
Retificação de certidões
As informações contidas em todas as certidões de todos os ascendentes que transmitem a cidadania italiana devem estar em plena concordância entre si. Principalmente nos quesitos nomes, sobrenomes, nomes dos pais, nomes dos avós, datas, idades, locais de nascimento, entre outros. Informações contraditórias podem inviabilizar o processo. Com tudo o que foi exposto, fica evidente a importância que as certidões têm nos processos de obtenção de dupla cidadania, e de todos os registros estarem corretos.
É essencial analisar as certidões logo no início dos trâmites, a fim de localizar quaisquer erros e divergências que tenham sido transmitidos de geração em geração na linha sucessória. Observando cada documento, é possível identificar todos os pontos relevantes que precisam ser corrigidos ou retificados (no processo que se chama justamente a retificação), o que assegura o êxito da empreitada – todos os erros e incoerências devem ser corrigidos para que todas as certidões se relacionem.
Caso seja possível, é aconselhável contar com uma assessoria especializada, um serviço que ajuda a evitar possíveis erros ou retrabalhos no processo de cidadanias italiana, portuguesa e espanhola como é oferecido pela Travessia Cidadania. Além disso, ao garantir que todas as certidões necessárias estejam corretas e em conformidade com os requisitos legais, o processo pode ser tratado de maneira mais eficiente, atendendo o tempo e os custos envolvidos.
Veja as datas de criação do registro civil no Brasil (implantação dos cartórios) conforme cada estado:
Acre – Rio Branco: 1903
Alagoas – Maceió: 1890
Amapá – Macapá: 1900
Amazonas – Manaus: 1879
Bahia – Salvador: 1877
Ceará – Fortaleza: 1888
Distrito Federal – Brasília: 1960
Espírito Santo – Vitória: 1889
Goiás – Goiânia: 1877
Maranhão – São Luís: n/d
Mato Grosso – Cuiabá: 1874
Mato Grosso do Sul – Campo Grande: 1894
Minas Gerais – Belo Horizonte: 1879
Pará – Belém: 1889
Paraíba – João Pessoa: 1888
Paraná – Curitiba: 1876
Pernambuco – Recife: 1888
Piauí – Teresina: 1875
Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: 1850
Rio Grande do Norte – Natal: n/d
Rio Grande do Sul – Porto Alegre: 1876
Rondônia – Porto Velho: 1908
Roraima – Boa Vista: 1956
São Paulo – São Paulo: 1852
Santa Catarina – Florianópolis: 1851
Sergipe – Aracaju: n/d
Tocantins – Palmas: 1990